Santa Joana de Aveiro (1452-1490), Nuno Gonçalves (?) (cc. 1475)
A primeira foi antes de eu nascer: após quase dois anos a tentar sem conseguir, a minha mãe achava que já não teria filhos. Foi à Senhora do Monte, no dia da festa - no pico de Agosto - prometer que se viesse a ter um filho. Com o calor, diz ela, nauseava, e tanto que quase não conseguia completar a promessa. Na realidade, dentro dela, eu já me afirmava senhora do meu nariz e não havia nada que Senhora do Monte pudesse fazer a respeito.
Depois, foi nos meus dois anos. Dois anos de todas as doenças infantis, dois anos de achaques que ninguém nunca teve, dois anos de infecções que só comigo. Aos dois anos, tive uma senhora conjutivite que se veio a complicar ainda após uma consulta médica em que a enfermeira que me tratou dos olhos, utilizou material por desinfectar, viria a saber-se depois. O médico furioso, a querer saber qual das duas enfermeiras, a minha mãe - um bocadinho inconsciente da gravidade da situação - a não querer prejudicar ninguém, o médico a querer bater nas três mulheres, que só por milagre é que eu ia voltar a ver, a minha mãe, ai Jesus!, a apegar-se a Santa Joana de Aveiro, em cujo convento mandou rezar uma série de missas pela minha saúde.
Santa Joana foi a primogénita do rei Afonso V. Como todas as princesas da Idade Média, tinha reputação de muito bela e pia: sempre preferira a oração e o recolhimento aos pretendentes. Quando o rei partiu para o Norte de África, ela tinha dezanove anos e assumiu a regência do reino. Toda a vida fora educada para reinar, porque, até ao nascimento do irmão, era ela a legítima herdeira do trono. Com o regresso do pai e o irmão quase adulto, Joana pede autorização paterna para ir para o convento, a qual lhe foi concedida com a ressalva de não poder proferir votos até o irmão subir efectivamente ao trono e ter descendência legítima que lhe sucedesse. Entrou no convento de Odivelas, passou por Coimbra, morreu pobre no Convento de Jesus em Aveiro. E nunca chegou a professar.
A lenda que envolve a sua morte, que as freiras atribuem à tuberculose e o povo a um envenenamento, maravilhava de qualquer coisa bonita e terror o imaginário infantil nos tempos da ditadura e, depois de a ouvir em pequena ao serão, acabou por me marcar a mim também, quando, já sabendo ler, passava as tardes com os livros da primária da minha mãe. Neles, via-se o féretro de Santa Joana à saída da igreja do convento, transparente como o da Branca de Neve mas todo coberto de flores que caíam, chovendo, do jardim que a Santa Princesa plantara. A natureza desistia de sobreviver àquela que tanto a havia acarinhado. Coisas poderosas, que têm a ver connosco e que se guardam na infância, como um segredo.
Beatificada em 1693 pelo Papa Inocêncio XII, é a 12 de Maio, no dia da morte, que a Igreja a celebra.
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