terça-feira, 8 de março de 2022

Dia Internacional da Mulher

Em França, diz-se Dia Internacional dos Direitos das Mulheres, o que me parece muito mais em consonância. Então, feliz dia!

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Os cidadãos do futuro (5)

E se deixassem os meninos sossegados, longe dos bons e dos maus, preto no branco, e lhes explicassem que na guerra não há nunca vencedores, só vencidos? Bem sei que a interferência internacional na generalidade dos sistemas educativos está bem entranhada curricularmente, mas tenham juízo, professores e educadores dos ciclos iniciais do ensino! Não é preciso lerem Heródoto, nem Tucídides, nem sequer o Séneca mais conhecido. Explicar simplesmente que a morte, a destruição e o ódio são uma doença contagiosa. Infectarão todos os envolvidos e os seus descendentes por longo tempo, abrirão feridas, deixarão marcas. Eu não quero cidadãos do futuro implacáveis a separar o bom do mau, a salvar o bom, a matar o mau, eu quero pessoas capazes de compreender os dois lados que todos temos em nós e de perceber a necessidade de erradicação de todo conflito. Não é difícil. Já se fez o mesmo a outras doenças.

Sobre a violência como doença contagiosa, pais, educadores e professores podem ler este artigo e, a partir dele, buscar outras referências.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Monday mood (57)

Quem, hoje em dia perguntar a si próprio qual o conteúdo, o sentido ou a finalidade do seu trabalho, enlouquece – ou torna-se factor de perturbação do funcionamento autotélico da máquina social. (...) A engrenagem social tem de continuar a funcionar a qualquer preço, e ponto final. (...) É por isso que hoje as capacidades de auto-sugestão, de autopromoção e de simulação de competências se contam entre as virtudes mais importantes dos gestores e das trabalhadoras especializadas, das estrelas dos ‘media’ e dos contabilistas, das professoras e dos arrumadores de automóveis. 

Grupo Krisis, Manifesto Contra o Trabalho, tradução de José Paulo Vaz.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Os cidadãos do futuro (4)

Esta manhã já começou bem ao ler isto. E se cada um fizesse o que lhe compete, e fizesse bem, fizesse-o o melhor possível, o melhor que soubesse? Que tal 200 pais e educadores fazerem formação para gerirem eles as emoções dos seus filhos e educandos? É a única via de valorização da saúde mental. A única maneira de relatórios e queixas de professores e outros agentes não caírem em saco roto. Por que há-de o professor acumular mais esta função? Não tarda o professor, pau para todo o serviço - excepto o serviço docente, claro -, há-de ir-vos a casa limpar o que os senhores entenderem que os vossos impostos pagam.

Em 2020, quando nos fecharam em casa, temi que gente que já me passou pelas mãos fizesse coisas espertas junto de pais e familiares, evidenciando aquilo que eu sei, que qualquer professor atento, que observa e reporta, sabe que existe. Não aconteceu, que se saiba, mas na semana passada os media aterrorizaram a população com um garoto que tem problemas certamente conhecidos de muita gente que agora não fala. Gente que terá dito a quem reportou o que me disseram a mim noutros casos: A juventude é assim. A professora nunca foi jovem? A professora meteu o acelerador e zarpou dali para fora.

Num país que precisa tanto de professores impôr-lhes mais esta responsabilidade é um tiro no pé. No mundo do trabalho, a nenhum colaborador é pedido que sirva de psicólogo do colega que enviuvou, da colega que acabou de se divorciar, do colega que é bipolar, da colega que tem depressão pós-parto, etc. Já o professor tem de manter no ar uma série de bolas, que basicamente não lhe permitem fazer o que sabe: ensinar. O professor não pode ensinar porque tem de resolver o problema da família disfuncional, o problema da família workaholico-negligente, o problema do trabalho por turnos, o problema da sociedade de consumo, os problemas do capitalismo e do neoliberalismo, o problema da sociedade líquida, o problema do alcoolismo, o problema da pobreza, o problema do isolamento, o problema da violência doméstica, o problema da droga, o problema do desemprego, o problema da saúde mental. Mais algum?

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Monday mood (56)

No filme Don't Look Up há uma cena em especial que me vem à memória sempre que vamos aos meus sogros. Meia-dúzia de crianças escolhidas demonstram e publicitam o último grito da tecnologia. A escolha não é inocente, toda a gente associa a infância ao contrário da desonestidade e da impostura. Os meus sogros, ao contrário de nós, têm televisão e gostam dum canal que cativa muito as pessoas daquela idade e as pessoas que não conseguem desviar os olhos do acidente. Nos espaços informativos desse canal, nos fins-de-semana em que calha irmos aos meus sogros - mas possivelmente todos os fins-de-semana - crianças são entrevistadas acerca da necessidade e da eficiência da vacinação. Do horrível do espectáculo mediático que é a morte do pequeno Rayan, Julen, Aylan, não vale a pena falarmos sequer. 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Talvez o mundo colapse e se afunde

Talvez o mundo colapse e se afunde; mas pelo menos será por motivos políticos e económicos comummente aceites, pelo menos será com a ajuda a ciência, da técnica e da opinião pública, e com todo o engenho ao alcance do homem! Sem catástrofes cósmicas, apenas uma sucessão de motivos nacionais, de poder, económicos e outros. Contra isso não há nada a fazer.

A voz interior ficou em silêncio por alguns instantes.

- E não tens pena da humanidade?

- Espera aí, não te precipites! Ninguém diz que toda a humanidade tem que ser extinta. As salamandras só precisam de mais costas onde viver e pôr os seus ovos. Talvez em vez de continentes compactos façam da terra firme uma série de faixas compridas para terem um máximo de linha costeira. Digamos que nessas faixas de terra sobreviverão algumas pessoas, está bem? E que irão produzir metais e outras coisas para as salamandras. No fim de contas, as salamandras não podem trabalhar com o fogo, compreendes?

- Então, os homens vão servir as salamandras?

- Vão, se queres pôr as coisas nesses termos. Vão simplesmente trabalhar em fábricas como agora. Apenas vão ter outros amos. Ao fim e ao cabo, talvez nem mude tanta coisa...


Karel Čapek, A Guerra das Salamandras, trad. Lumir Nahodil.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Monday mood (55)

Não sei se vivemos numa ópera bufa ou numa simulação. Qualquer um destes cenários, de tão inverosímil, é plausível. Então, para a semana todos, infectados e não infectados, com sintomas ou sem sintomas, podem votar. Se saírem do local onde vão votar e não forem directamente para casa, os infectados infectarão, pelo que incorrem no crime de propagação de doença contagiosa, porque, certamente, as condições que ditam o isolamento destas pessoas não se aplicam nos locais de voto. Porque, certamente, confiamos estas pessoas não darão a volta ao concelho para lá chegar, nem passarão pelo café primeiro, nem irão à praia, locais onde, ao contrário dos locais de voto, os infectados infectam. Porque, certamente, na fila para o voto, no caminho a pé ou no meio de transporte que escolherem para lá chegar, não há perigo, está tudo bem, dizem os técnicos que assinaram esta linda excepção. Há qualquer coisa muito perturbadora nisto. Ninguém acautelou atempadamente - de quantos anos disto precisamos? - a segurança de todos, infectados e não infectados. E há laxismo e incompetência na necessidade de uma excepção que tapa o sol com a peneira.  Pelo menos para mim. Isto foi o ano passado. Encontre as diferenças.