sexta-feira, 17 de maio de 2013

Mandado de Despejo aos Mandarins do Mundo

Fora tu, reles esnobe plebeu! Fora tu imperialista das sucatas, charlatão da sinceridade, banalidade em caracteres gregos, sopa salgada fria. Fora com tudo isso! Fora! Que fazes tu na celebridade?! Quem és tu? Tu da juba socialista e tu qualquer outro. Todos os outros! Lixo, cisco, choldra provinciana, safardanagem intelectual, incompetentes, barris de lixo virados para baixo à porta da insuficiência da contemporaneidade! Tirem isso tudo da minha frente! Tudo daqui para fora! 

Ultimatum a eles todos, e a todos os outros que sejam como eles! Todos! Falência geral de tudo por causa de todos! Falência geral de todos por causa de tudo! Falência dos povos e dos destinos. Falência total! Desfile das nações para o meu desprezo! Passai gigantes de formigueiro. Passai mistos que só cantais a debilidade. Passai bolor do novo. Passai a esquerda do meu desdenho. Passai e não volteis! Párias na ambição de parecer grande! Passai finas sensibilidades, montes de tijolos com pretensões a casa, inútil luxo passai! Van grandeza ao alcance de todos, megalomania triunfante. Vos que confundis o humano com o popular, que confundis tudo! Chocalhos incompletos, maravalhas passai! Passai tradicionalistas alto convencidos, anarquistas deveras sinceros, socialistas a invocar as suas qualidades de trabalhadores para quererem deixar de trabalhar! Vem tu finalmente ao meu ascomo! Roça-te finalmente sobre a sola do meu desdenho! Granfinalha dos parvos, impotência a fazer barulho! Quem acredita neles? Descasquetem o rebanho inteiro! Mandem tudo isso para casa descascar batatas simbólicas. O mundo tem sede de que se crie, tem fome de futuro! Tu Estados Unidos da América síntese bastardia da baixa Europa, alho da açorda transatlântica, pronúncia nasal do modernismo inestético! E tu, Portugal-centavos, resto da Monarquia a apodrecer República, extrema-unção-enxovalhada da desgraça, colaboração artificial na guerra com vergonhas naturais em África! E tu Brasil, República irmã, blague de Pedro Álvares Cabral que nem te queria te descobrir! Ponham-me um pano por cima de tudo isso! Fechem-me tudo isso a chave e deitem a chave fora! 

Ultimatum a todos os chefes de estado incompetentes ao léu! Senão querem sair! Que fiquem e lavem-se! Despem-se de toda hipocrisia, ignorância de toda ganância luxuosa e falida. Mistura de sub-raças, batentes de portas dos grandes palácios com cheiro de chiqueiro! Tu, miseráveis intelectualistas a praticar política de esquina, com qualidades guerreiras enterradas pelo mundo afora! Ah! Onde estão os antigos, as forças, os homens, os guias, os guardas? Vão aos cemitérios, que hoje são só nomes nas lápides! Agora a filosofia é o ter morrido! Agora a arte é o ter ficado! Agora a literatura é significar status sociais! Agora a crítica é haver bestas com inteligências artificiais que não se vejam como bestas! Agora a religião é o catolicismo militante dos taberneiros da fé, angariadores de anúncios para Deus! Agora é a guerra! É o jogo de empurra do lado de cá, empurra do lado de lá! A política e a degeneração gordurosa da organização da incompetência! Sufoco de ter só isso a minha volta! Deixem-me respirar! Abram todas as janelas, abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo. Nenhuma idéia grande, nenhuma corrente política que soe a uma idéia grão época vil dos secundários, dos aproximados, dos lacaios com aspirações a reis lacaios! Sim! Todos vos que representais o mundo, todos vos que sois políticos em evidência em todo mundo! Passai! Vos ambiciosos do luxo cotidiano, aristocratas de tangas de ouro. Passai! Vos que sois autores de correntes sociais, de correntes literárias, de correntes artísticas, verso da medalha da impotência de criar! Passai homens altos, passai frouxos, passai radicais do pouco. Passai! O mundo quer grandes poetas, quer grandes estadistas, quer grandes generais. Quer o político que construa conscientemente os destinos inconscientes do seu povo. Quer poetas que buscam imortalidade ardentemente e não se importem com a fama! Quer o general que combata pelo triunfo construtivo, não pela vitória que apenas derrota os outros! O mundo quer a inteligência nova à sensibilidade nova. O que aí está a apodrecer a vida, quando muito é estrume para o futuro, o que aí está não pode durar porque não é nada. Eu da raça dos navegadores afirmo que não pode durar! Eu da raça dos descobridores desprezo o que seja menos que descobrir um novo mundo! Ergo-me ante o sol que desce e a sombra do meu desprezo anoitece em vos! Proclamo isso bem alto com os braços erguidos, fitando o Atlântico e saudando abstratamente, o infinito.

Fernando Pessoa

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