terça-feira, 20 de abril de 2021

A abertura dos shoppings

Ai os shoppings abriram e as pessoas foram ao shopping, que horror. As pessoas são irresponsáveis, daqui a nada voltamos ao confinamento outra vez. (A pessoa que diz que as pessoas irresponsáveis não é pessoa? A pessoa que vai filmar as filas na praça do shopping, não está na praça do shopping?) Os shoppings deveriam abrir só para nós: meia dúzia de privilegiados, já vacinados, que não perderam rendimentos, que perderam na verdade muito pouco e, portanto, não se sentiram presos em casa. Há pessoas que não se sentiram realmente presas em casa, porque a) a sua hipocondria leva-as a amar o cárcere; b) têm uma segunda casa para onde migraram com a família alargada; c) não têm uma segunda casa, mas moram numa casa com mais de 30 m2, escritório e jardim, café nas proximidades, take away ao fim-de-semana, compras online sempre que apeteça. A estas pessoas, os meus sentimentos. Os shoppings abriram e as pessoas que não compram online e que precisam de comprar bens essenciais de que foram privadas, ou bens não essenciais mas que elas entendem que precisam, foram ao shopping. As pessoas que vivem em 30 m2 e trabalham oito horas diárias mais duas ou três de transportes precisam de arejar e foram ao shopping. Precisam de espairecer e decidiram ir ver montras. As pessoas precisam de passear, ver gente a fazer a sua vida normal, e escolheram o shopping. Estas pessoas são como nós, mais ou menos inconscientes, mais ou menos felizes, mais ou menos iguais. As pessoas, todas as pessoas, são pessoas. Estas pessoas são pessoas: são dignas, são respeitáveis, lembram-nos de que a liberdade existe. Precisamos de lembrar-nos que a liberdade existe. A liberdade existe. A liberdade existe. A liberdade existe. Está doente, definha, mas existe. Estamos em Abril e a liberdade existe. É livre de ficar em casa quem quer e quem possa. (Pessoas que não querem sair, descansem: não é obrigatório ir ao shopping, nem à esplanada, nem ao café.) Tal como é livre de ir ao shopping quem quer e quem possa. (E não há nada que os hipocondríacoprivilegiados possam fazer sobre isso.) Que os media se aproveitem da abertura dos shoppings para lançar o pânico é uma coisa, que determinada percentagem da população, privilegiada, mediática, os siga policiando os demais é só ignorância e soberba. E isso também é falta de respeito pela vida do outro, é inconsciência, sim.

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