terça-feira, 29 de maio de 2012

Sobre a ociosidade e pusilanimidade gerais

Deixei-me ficar muito tempo sentado àquela mesa, abatido. O que me preocupava não era apenas a legalidade duvidosa da situação, nem o acréscimo de esforço e responsabilidades que ela me traria. Era que havia sido decidida pelos meus pares por pura comodidade, num acesso de leviano egoísmo, a que os problemas da cidade, os interesses de Roma eram completamente alheios. Como é que aquilo se tinha tornado possível? Não haver sequer uma voz que chamasse à discussão o interesse público, nem um raciocínio que ponderasse as ameaças que impendiam sobre Tarcisis, nem um gesto mínimo de renúncia sobre a ociosidade e pusilanimidade gerais... Estavam então assim os meus cidadãos? Os meus súbditos, como eu quase poderia agora dizer com propriedade?

Nessa noite, escrevi até altas horas, não para Roma, mas para mim próprio, na intimidade do meu cubículo. Quis tomar nota de tudo, antes que sobreviesse o esquecimento.

Mário de Carvalho, Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde

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