A meio da manhã faço uma pausa. Nessa pausa, respondo a e-mails. A maior parte das vezes, trata-se de pendências institucionais fáceis de resolver. Uma vez por outra, um agradecimento. Esta manhã pediram-me desculpa por um esquecimento perfeitamente normal em qualquer circunstância. Mas vivemos tempos diferentes de um tempo qualquer. A pessoa desculpou-se com o stress que o excesso de mortalidade lhe estava a acrescentar ao dia-a-dia. Eu conheço a pessoa há pouco tempo mas sei que escreveu stress, para não escrever cansaço, desânimo, impotência, medo. Não é médico, nem enfermeiro, não se barrica no seu consultório, não recorre a televisões nem a humoristas famosos para aterrorizar as pessoas, não pede que tenham pena dele, antes pelo contrário: não se escusa em nenhuma circunstância a desempenhar a sua função. É uma pessoa à antiga: tem sentido de responsabilidade e pudor. Até no eufemismo de substituição isso se vê. Fiquei a pensar que conheço imensas pessoas com funções idênticas - a maior parte muito jovem, a maior parte meus alunos - e ainda não tinha pensado no dia-a-dia deles neste tempo.
José Gil escreveu há dias que
Colectivamente, temos de pensar no valor da vida para além da nossa sobrevivência, da nossa existência. Ajudava que o fizessem pais e filhos, de pequeninos. Ajudava que pais e filhos coabitassem com os avós e que a vivência da morte e da doença fosse verdadeiramente partilhada pela família. Ajudava que o fizessem as escolas, a filosofia, a história, as humanidades, a sociedade, a política. Mas, se calhar, a ajuda começa com cada um de nós, hoje. A viver com os outros. Sem medo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário