domingo, 12 de maio de 2013

Diz que é uma espécie de Artémis - 4

Como eu invejo o romancista! 
Imagino-o - melhor será dizer "imagino-a", pois é nas mulheres que procuro um paralelo - imagino-a, portanto, a podar uma roseira com umas grandes tesouras, a ajeitar os óculos, a arrastar os pés entre chávenas de chá, a cantarolar, a cuidar da limpeza de bebés e cinzeirosm a absorver um raio oblíquo de sol, uma pontinha de ar fresco, e a sondar, com uma espécie de humildade e magnífica visão raio-X, a intimidade psíquica doz vizinhos - vizinhos no comboio, na sala de espera do dentista, no salão de chá da esquina. Para ela, para esta afortunada criatura, há lá alguma coisa que *não seja* relevante! Tudo lhe serve: sapatos velhos, maçanetas de porta, cartas enviadas por correio aéreo, camisas da noite de flanela, catedrais, verniz de unhas, aviões a jacto, caramanchões de roseiras e papagaios; pequenos tiques - chupar um dente, puxar a linha de uma costura - qualquer coisa, seja estranha ou imperfeita, requintada ou insignificante. Isto para já não falar das emoções, das motivações - essas formas ribombantes e tempestuosas. O seu negócio é o Tempo, o modo como o tempo se projecta para diante, volta atrás, floresce, definha e se desdobra em fotografias de exposição múltipla. O seu negócio são as pessoas no Tempo. E parece-me a mim que ela tem todo o Tempo do mundo. Se lhe apetecer pode levar um século, uma geração, um Verão inteiro. 

 - Sylvia Plath, "Uma Comparação," Zé Susto e a Bíblia dos Sonhos.

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