O que mais receio é, creio eu, a morte da imaginação. Quando o céu lá fora é apenas cor-de-rosa, e os telhados apenas negros: essa inteligência fotográfica que paradoxalmente diz a verdade, mas uma verdade inútil, a respeito do mundo. O espírito de síntese, a força "modeladora" que brota prolificamente e cria os seus próprios mundos com mais poder inventivo que Deus, eis o que eu desejo. Se ficar sentada e quieta, sem fazer nada, o mundo continuará a pulsar como um tambor bambo, sem o menor sentido. Há que caminhar, trabalhar, criar sonhos para os perseguir; a pobreza da vida sem sonhos é um terror inimaginável: é essa a pior de todas as formas de loucura: a loucura com delírios e alucinações seria um alívio boschiano. Estou sempre à escuta de passos na escada, e fico cheia de raiva quando não são para mim. Porquê, porquê, por que é que não posso ser asceta por algum tempo, em vez deste constante vacilar na fronteira entre o desejo de solidão absoluta, para ler e trabalhar, e - tanto, tanto - a sede dos gestos de mãos e palavras dos outros seres humanos. Bem, depois deste trabalho sobre Racine, deste purgatório de Ronsard, deste Sófocles, hei-de escrever: cartas, e prosa, e poesia, lá para o fim da semana; até lá, tenho que ser estóica.
- Sylvia Plath, "Apontamentos de Cambridge", Zé Susto e a Bíblia dos Sonhos
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