quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Sutor, ne ultra crepidam

É Plínio, o Velho, quem conta que Apeles de Cós gostava de expor ao escrutínio público os seus quadros antes de os ter propriamente terminado. O pintor acreditava que, ouvindo em local próximo e oculto as críticas dos transeuntes, poderia melhorar o seu trabalho e tornar os seus quadros insuperáveis. Certa vez, passando um sapateiro junto de um dos quadros, aponta-lhe defeitos numa sandália. Apeles terá saído das sombras e concordado que poderia melhorar a representação da sandália, sem dúvida. É então que do sapateiro brota um crítico de arte e, de repente, é todo o quadro que tem de ser refeito. A resposta de Apeles, que viria a tornar-se uma frase feita, foi: Sutor, ne ultra crepidam (judicaret)! (Não vá, o sapateiro - nas considerações que tece - para além da sandália!)

Lembrei-me desta história, ao ler isto. Não vá a população portuguesa para além da sua alegre casinha. A abertura das escolas é coisa para os especialistas em educação. A necessidade do teletrabalho é coisa para os especialistas em sociologia e direito do trabalho. Anda o mundo muito mal e os media cavalgam o caos. Nem de propósito, no seu último programa, Ricardo Araújo Pereira termina com uma imagem assombrosa acerca da relação entre os media e o governo: uma cadela a lamber umas botas.

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