Em seu artigo publicado no jornal Il Foglio Quotidiano (ano XVII, n. 29, pag. 2), na sexta-feira posterior à morte da autora, o crítico italiano Alfonso Berardinelli fala em “ceticismo produtivo”, citando a própria poeta, em sua declaração de que “O poeta moderno é cético e desconfiado”, segundo ela, “também – e talvez, sobretudo – nos confrontos consigo mesmo”. Mas se este ceticismo e desconfiança em relação ao poeta e à poesia no mundo contemporâneo levavam-na a uma textualidade de hesitações diante do que anteriormente, entre os poetas românticos, por exemplo, seria visto como a busca de verdades ou o que mais se aproximasse destas, Wisława Szymborska nunca temeu buscar no mundo e suas ocorrências e catástrofes uma espécie de parâmetro ou balança moral e ética que, ao mesmo tempo, parece ligá-la justamente àqueles poetas românticos que viam na natureza uma manifestação do divino. Cética, sim, mas nascida em um país tão marcado pela cultura judaico-cristã como o é a Polônia, a estes parâmetros e verdade intuídos no que chamaríamos de leis (tão pouco misericordiosas) da natureza, e aí reside talvez sua diferença em relação aos poetas românticos que a precederam, como Blake ou Keats, a busca por conhecimento na poesia da polonesa parece operar-se entre o que se aprende com a natureza e o que se desaprende com a História. Em seu trabalho, conhecimento e sabedoria não parecem ser operações de adição ou acumulativas. Pelo contrário, a poeta parece dizer que é por subtração de certezas que chegamos a algumas verdades talvez ligeiramente menos instáveis. Seu poema sobre a estratégia da holotúria diante de seus predadores parece-me bastante emblemático neste aspecto. Se cedo ou tarde a existência há-de devorar-nos, Szymborska sugere que colaboremos com o que tanto tememos justamente para postergá-lo. Parece-me um pensamento de grande coragem, de uma tenacidade ética gigantesca. Em seu discurso On courage and resistance, quando recebeu o Prêmio Oscar Romero, a escritora norte-americana Susan Sontag (1933 – 2004) — outra escritora tão apaixonada pela fortitude ética — escreveu: “Nós somos carne. Nós podemos ser perfurados por uma baioneta, feitos em pedaços por um homem-bomba. Podemos ser esmagados por uma escavadeira, fuzilados dentro de uma catedral.”
O Elogio de Szymborska por Ricardo Domeneck. Um texto precioso. A ler na íntegra aqui.

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