sábado, 3 de março de 2012

O avô e o neto

Ao ver o neto a brincar,
Diz o avô, entristecido,
«Ah, quem me dera voltar
A estar assim entretido!

Quem me dera o tempo quando
Castelos assim fazia,
E que os deixava ficando
Às vezes p’ra outro dia;

E toda a tristeza minha
Era, ao acordar, p’ra vê-lo,
Ver que a criada já tinha
Arrumado o meu castelo.»

Mas o neto não o ouve
Porque está preocupado
Com um engano que houve
No portão para o soldado.

E, enquanto o avô cisma, e triste
Lembra a infância que lá vai,
Já mais uma casa existe
Ou mais um castelo cai;

E o neto, olhando afinal
E vendo o avô a chorar,
Diz, «Caiu, mas não faz mal:
Torna-se já a arranjar.»

Fernando Pessoa, Poesia 1918-1930, Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2005


O centésimo post deste blog recorda o meu avô materno.  Se fosse vivo, o meu avô, o único que conheci - o melhor do mundo -, completaria hoje 98 anos.

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